Camelos

``Eu quero me apossar do é da coisa`` Clarice L.

Wednesday, March 30, 2005

Conto de madrugada.

A insônia as vezes me faz escrever noites inteiras:

Sem Título.

É como se lhe rompesse o peito de emoção. Tanto que tirava toda a inspiração para a escrita. O papel sobre a mesa e todos os seus refúgios anteriores, perdiam completamente o sentido. Ao mesmo tempo que queria gritar aquela energia disparada, não conseguia aliviar-se pela caneta. Para descrever aquela sensação precisava de mais e mais e mais. Nunca seria suficiente. Não era mais como os sentimentos vazios, procurando alguma razão ou falta de razão. Agora se sentia extremamente excitado como se fosse explodir a qualquer momento.

Espremia os olhos e procurava ver se não via mesmo o que estava vendo. Mas a imagem continuava intacta: o corpo leve sobre a cama. Parece que dorme em plumas. Se espreguiçava vez ou outra, se descobria, e lá vai recobri-la. – Se eu fosse escolher um momento para o resto da vida? – Seria este com certeza. Refazia a pergunta a cada minuto para ver se não mudava. Parece incrível. Essa era uma resposta inédita para toda uma vida.

Escreveu a primeira e única linha: existem doces mais doces que o da batata doce. – Eu não quero escrever nunca mais. Só sentir, sentir, sentir. Qual momento? – Este. Tinha certeza que não era sonho, se fosse, pensava que a felicidade não seria tão simples assim. Bastava aquele quadro vivo deitado sobre a cama, para lhe encher o peito cor-de-rosa. – Uma estrela que dorme, vai ser pra sempre a minha estrela. Que momento? Que momento? – Este.

- O mar... – Resmungou a voz recém acordada.
- Oi?
- O quadro. Eu não tinha reparado que era o mar.
Sorriu.
- Acho que ele é mutável.
- Como assim?
- A interpretação depende de como nos sentimos.
- Quer dizer que me sinto como o mar?
- Pode ser. O que seria o mar pra você?
- Acho que leveza. Como se eu pudesse ficar boiando para sempre nessa imensidão azul. – E você? O que você vê?
- Me lembra um conto de fadas.
- Genial! Então você se sente em um conto de fadas?
- É, acho que sim.


O ar grosso. A ponta do lápis quebrava insistentemente contra o papel. Os sentimentos todos vagos saltavam em linhas tortas: Por obra do tempo, a rotina pesa as costas.

- Eu estava arrumando as coisas e achei aquele quadro.
- Que quadro?
- Aquele do mar.
- Mar?
- É, não lembra? Você costumava deixa-lo em cima da cabeceira. Eu achava tão bonito, não sei porque o tirou dali.
- Ah, sim. Aquele da mancha azul. Enjoei dele, se quiser pode leva-lo.
- Incrível como as coisas se transformam de sonhos para manchas abstratas.
- O que você esta dizendo?
- Você dizia que o quadro era um conto de fadas.
- Mudei de idéia o que tem?
- Mudou porque você mudou também.
- Ah, não fale bobagens, é só um quadro idiota.
- É...deve ser... – Pegou as malas, pôs no carro, olhou para o quadro - ...de repente é mesmo só uma mancha abstrata. – Jogou-o na lata de lixo e saiu sem se despedir.

No quarto ele ainda escrevia sem parar: existem coisas que são lindas, mas não são tão bonitas assim. – Que momento? – Sim, estava de volta, não tinha resposta.

5 Comments:

  • At 30 March, 2005, Blogger Windy Heart said…

    Ah, Ju, final de tarde e eu estou ouvindo Vapor Barato(toda vez que quero puxar angústia-coisa do Fernando Sabino, eu coloco essa música) e pensando neste tal doce que a gente está falando sem parar. e o que a gente faz com o medo, Juba? eu preciso saber o que a gente faz com o medo....beijos, Vivi

     
  • At 30 March, 2005, Blogger Windy Heart said…

    eu estava escrevendo sobre isso, o medo e essa capacidade que a gente tem de esperar o pior ou desmerecer o que se tem. eu não sei, ainda estou pensando, por isso, não sai simples de entender. estou pensando ainda no doce e todas as implicações de arriscar prová-lo,rs. beijocas.

     
  • At 31 March, 2005, Blogger Windy Heart said…

    essa coisa do bicho não ter dúvida veio de um filme que gosto muito, Lobo(com Jack Nicholson e Michelle Pfeiffer) de uma frase que um velhinho dizia para ele, que estava se transformando em lobo, qeu isso era uma dádiva, porque os sentidos eram aguçados e os sentimentos eram precisos, "amor sem dúvida", o velhinho disse e eu estaquei naquilo. houve um tempo, onde me declarei a alguém dizendo que meu amor era de bicho, lobisomen, sem dúvida. mas hoje, eu percebo que esse amor me pertence, é meu, não de outro e que ele-amor oferto a quem achar que mereça. Eu gostei do que vc disse "a força a gente tira do nada", a gente tira da vontade, do impulso, da gana ou da tal ganância de viver(outra expressão do Sabino-salve, salve). o doce é vital mesmo e o medo vem mas tb se recolhe como onda. é aprender a se deixar levar um pouco pela correnteza....(esses papos estão ficando cada vez melhores,rs) beijocas, Vivi

     
  • At 31 March, 2005, Blogger Flávio said…

    Porra, esse ficou bom, hein?
    Há infinitos maiores que outros infinitos, pergunta só pro Luiz Matemático.

    Beijos

     
  • At 01 April, 2005, Blogger Windy Heart said…

    eu fiquei lendo aquela frase lá de cima da Clarice....e acabei deixando pra lá tudo que poderia comentar. não deixe de escrever de Sampa e tb se encontrar menina Ritinha, dê um beijo e um abraço por mim. quando vc(s) voltar(em): vamos marcar sim, tem muito papo pra rolar. beijo grande, Vivi

     

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